Nem sempre a vida imita a arte. Com muito mais frequência, a vida inspira a arte, por razões óbvias. A riqueza do cotidiano é infinita. Dramas, comédias, óperas bufas, tragédias de arrepiar, psicologias complicadas, tudo fervilha na realidade de cada dia. Saber explorar esse material inesgotável é prova de sagacidade, mas exige também do escritor uma certa adaptação, como ocorreu com Moacyr Scliar na elaboração dos trabalhos reunidos em O Imaginário Cotidiano. Acostumado a extrair o material de suas obras da própria mente, o escritor gaúcho sentiu-se um tanto embaraçado quando recebeu convite da Folha de S. Paulo para escrever ficção baseada em notícias publicadas no jornal, ou seja, a arte não apenas imitando a vida, mas se estruturando a partir da própria realidade cotidiana imediata. No início, Scliar ficou em dúvida. Daria certo? Atirando-se ao empreendimento e superando as próprias desconfianças, logo se conscientizou das múltiplas possibilidades da proposta. Mais do que enveredar por uma nova aventura, fascinou-o a possibilidade de explorar uma espécie de história virtual "que complementa ou amplia a história real (se é que sabemos exatamente o que é uma história real)". Assim, passou a pinçar aqui e ali trechos do noticiário, aparentemente incapazes de servir de material inspirador de ficção: o mercado da Bolsa deixando um operador neurótico, quatro pessoas feridas por balas perdidas, macacos famintos que invadem as cidades, homem preso por forjar o próprio sequestro, um pretenso modelo matemático capaz de prever gols no futebol, o jogador que queria direitos autorais sobre os seus gols. São indicações sumárias, que o escritor explora com sarcasmo, comoção ou a mais pura gozação, mas sempre com aquele dom de se comunicar com o leitor e envolvê-lo desde a primeira frase.
Capa: sem rabiscos ou manchas.
Páginas: sem rabiscos ou manchas.
Condição: Usado